*Esta carta é uma atualização da publicada originalmente no dia 15 de novembro de 2022 e fruto do “Encontro de Redes Comunitárias de Internet”, realizado em São Paulo nos dias 10 e 11 de novembro de 2022. Esta versão foi redigida a partir do “Encontro de Conectividade Centrada em Comunidades”, em São Paulo, nos dias 17, 18 e 19 de Outubro de 2024.
Nós, integrantes do “Comitê Nacional de Redes Comunitárias”, compartilhamos esta carta para:
– Expressar a valorização e o respeito à diversidade reunida nas redes comunitárias, que conta com pessoas de todas as regiões do Brasil, representando coletivos organizados por populações quilombolas, indígenas, rurais, tradicionais e periféricas, produtores e trabalhadores auto-organizados, ribeirinhos, pescadores, marisqueiras, quebradeiras de coco, comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto, populações migrantes e refugiados. Também conta com o apoio de representantes da comunidade técnica e educadores de comunidades, de associações e organizações da sociedade civil. Que esta representação inclui a participação de mulheres, pessoas negras e indígenas, LGBTQIAPN+ e de diversas idades, com expressiva participação de jovens. Reconhecendo que a diversidade das pessoas que constroem o movimento de redes comunitárias no Brasil é ainda maior que as aqui expressas;
– Expressar valores fundamentais que nos unem em nossa diversidade, como a autonomia, o bem-viver, a preservação dos biomas, a colaboração, a empatia, as alianças entre lutas sociais e a defesa dos territórios. Também a apropriação comunitária de tecnologias sociais, livres e de informação e comunicação, a valorização das formas de viver e dos saberes locais e da existência multicultural dos brasileiros;
– Reafirmar nosso compromisso com a inclusão digital através das redes comunitárias, unindo apropriação tecnológica orientada a direitos e inserção na cultura digital, conectada com a construção de tecnologias livres, conteúdos locais, processos de participação e cuidados digitais. Os processos de participação envolvem espaços coletivos de decisão, nos quais a comunidade define prioridades e ações de forma inclusiva e horizontal. Reuniões abertas, assembleias e fóruns garantem que todas as vozes sejam ouvidas. A garantia de participação ativa em todas as etapas – desde o planejamento até a gestão contínua – fortalece a corresponsabilidade e a autonomia coletiva, promovendo a sustentabilidade e a autogestão das redes comunitárias.
– Ressaltar que as redes comunitárias integram o ecossistema de apropriação da tecnologia e cultura digital, que são parte das diretrizes de políticas públicas de inclusão digital no Brasil, e que devem, portanto, ser parte ativa de processos de discussão, construção, implementação e avaliação de políticas públicas de acesso e telecomunicações. A inclusão das redes comunitárias em portaria do Ministério das Comunicações é fundamental para esse reconhecimento;
– Destacar que as tecnologias da informação e comunicação são indispensáveis para as comunidades na garantia de direitos fundamentais, do direito à comunicação e da defesa de territórios;
– Apontar que existem barreiras semelhantes enfrentadas por redes comunitárias no Brasil, como a falta de políticas públicas e legislações de incentivo, a inexistência das redes comunitárias como categoria beneficiária nos editais públicos, a necessidade de democratizar o conhecimento técnico e normativo, a falta de recursos financeiros públicos e privados para criação e continuidade de iniciativas lideradas pelas comunidades, os desafios logísticos e topográficos que atravessam os diferentes territórios, os altos custos cobrados por operadoras de internet, a falta de acesso combinada com a violação de outros direitos;
– Reivindicar nosso direito a territórios digitais livres e a criação de um ambiente de incentivo às iniciativas de redes comunitárias com autonomia de informação e comunicação, promovendo o compartilhamento de saberes e a necessidade de democratizar a comunicação e o conhecimento técnico, a co-construção de tecnologias, a expressão de conteúdos comunitários, a preservação da memória, ancestralidade e dos biomas nativos, a valorização da oralidade e o intercâmbio de saberes diversos;
– Apontar a importância de que as normas, políticas e estruturas públicas sejam implementadas e respeitadas pelo Estado, não sendo prejudicadas pela alternância de governos que é fundamental à democracia;
– Reivindicar medidas necessárias para a construção desse ambiente de incentivo, como a existência de fundos públicos e privados para apoiar as redes comunitárias, para fomentar o desenvolvimento de tecnologias e aplicações a partir das comunidades, a aquisição de equipamentos e infraestruturas necessárias, os cuidados digitais, à garantia de realização de atividades de formação, preferencialmente dentro dos territórios, a manutenção da rede social e técnica necessárias para a continuidade dessas redes, sobretudo pelo incentivo de que o gerenciamento seja feito pela própria comunidade;
- Reiterar a importância do conceito de conectividade significativa e o levantamento periódico destes dados, como a pesquisa realizado pelo Nic.br, considerando indicadores de uso e de qualidade, se aproximando das necessidades das redes comunitárias e das iniciativas de conectividade centrada em comunidades.
– Reivindicar a inclusão entre as políticas públicas de acesso a co-construção de ações de capacitação tecnológica, política e regulatória, e para o fortalecimento das formas de autogestão das comunidades nos territórios; a existência de processos de diálogo e a construção de espaços seguros de fala e escuta em processos participativos; a viabilização de formas de apoio para a manutenção e sustentabilidade dessas redes – o que inclui a garantia de acesso significativo a internet e outras tecnologias comunitárias para atender às demandas da comunidade a custos compatíveis com as realidades locais e, inclusive, gratuitos;
-Defender a autonomia digital em diálogo com a preservação dos biomas.
Por meio do compartilhamento de experiências, saberes, estratégias e sonhos, e da expressão dos pontos reunidos nesta carta, reafirmamos nosso compromisso com a luta coletiva pela expansão e fortalecimento das redes comunitárias que se orientam pela autonomia e liberdade dos povos.
São Paulo, 18 de outubro de 2024.